O Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) decidiu que exerce, sem qualquer abuso, o seu direito de uso exclusivo de parte de um logradouro que é parte comum do prédio constituído em propriedade horizontal, afeta ao uso exclusivo da sua fração autónoma, quem, após décadas de permissão gratuita do uso dessa parte por terceiro, lhe retira essa permissão.
O caso
A proprietária de uma fração autónoma de um prédio recorreu a tribunal pedindo que os réus fossem condenados a reconhecer o direito de utilização exclusiva da área de 94,87 m2 do logradouro localizado a tardoz do prédio, com início nas traseiras da sua fração.
Fê-lo alegando que da escritura de constituição da propriedade horizontal e da caderneta predial da fração resultava que a mesma tinha o uso exclusivo dessa área do logradouro, cujo espaço estava a ser utilizado sem o seu consentimento pelos réus.
Estes contestaram alegando que tinham comprado outra fração do mesmo prédio, a qual lhes tinha sido vendida com a utilização do logradouro, que utilizavam o logradouro desde então, o qual já assim era utilizado pelos anteriores proprietários, à vista de toda a gente e sem qualquer oposição, pelo que tinham adquirido o direito de utilização sobre o mesmo por usucapião, agindo a autora em abuso de direito, uma vez que durante anos nunca se opusera à utilização do logradouro pelos réus.
Entretanto a autora faleceu, tendo a ação prosseguido com os seus herdeiros e acabado por ser julgada improcedente.
Desta decisão foi interposto recurso para o TRL.
Apreciação do Tribunal da Relação de Lisboa
O TRL julgou procedente o recurso, condenando os réus a reconhecerem o direito de utilização exclusiva da área de 94,87 m2 do logradouro localizado a tardoz do prédio, com início a tardoz da fração da autora.
Decidiu o TRL que exerce, sem qualquer abuso, o seu direito de uso exclusivo de parte de um logradouro que é parte comum do prédio constituído em propriedade horizontal, afeta ao uso exclusivo da sua fração autónoma, quem, após décadas de permissão gratuita do uso dessa parte por terceiro, lhe retira essa permissão.
Se assim é quando a permissão integra um contrato de comodato, assim será, por maioria de razão, quando existiu mera inércia perante o uso indevido por outrem.
A invocação, por via de exceção, da aquisição por usucapião do direito de propriedade sobre uma parte originariamente comum de um determinado prédio apenas poderia ser bem-sucedida se já se encontrasse previamente julgada a aquisição por usucapião ou se verificassem, não apenas os pressupostos substantivos da usucapião, mas também os processuais determinados pela natureza de parte comum do direito que se pretendia ter adquirido.
E ainda que se possa adquirir por usucapião o direito de propriedade de uma parte originariamente comum, um direito de uso exclusivo de parte comum não é usucapível.
No caso, sabendo os réus e não podendo deixar de saber aquilo a que tinham direito, a exata área de logradouro de que podiam fruir ao adquirirem cada uma das frações, e tendo, ainda assim, usado mais do que aquilo a que tinham direito, não se satisfazendo com o facto de durante muitos anos terem beneficiado de uma utilização a que não tinham direito, por inércia de quem tinha o direito de uso da parte não pertencente às suas frações, teimando em manter esse uso agora contra a expressa vontade do dono da fração cujo direito de uso estão a prejudicar, não se alcança que o exercício do direito do autor exceda, por qualquer forma, os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito e possa, por isso, ser considerado abusivo.
Referências
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no processo n.º 4810/20.4T8LSB.L1-2, de 11 de julho de 2024
Código Civil, artigos 334.º, 1293.º alínea b) e 1137.º n.º 2